domingo, 3 de março de 2024

A polícia da memoria - Yoko Ogawa.


Neste romance, em prosa ao mesmo tempo estranho e sensível, o leitor é conduzido ao mundo das memórias perdidas. Uma ilha é vigiada pela “polícia secreta”, que busca e elimina vestígios de lembranças. Objetos, espécies e até famílias inteiras somem sem deixar rastros, sem que as pessoas sequer se atentem, ou percebam os desaparecimentos, pois as recordações furtivamente também já se foram. Na trama, uma escritora tenta manter intactos resquícios de histórias, de algo que possa permanecer. Não é fácil, já que tudo ao redor desaparece, e ela não pode contar sequer com a própria memória. O leitor é convidado, instintivamente, a acessar o seu próprio arcabouço de lembranças e percorre uma jornada de recordações que também gostaria de preservar. Algo que tem se tornado familiar na atualidade, e a todos que têm criado um novo mundo, já que o anterior, pré-pandemia, não  existe mais, e nunca será como antes. Acessar as memórias é acessar, também, o que criamos e o que se mistura ao real. E ler A polícia da memória é embarcar no mais profundo do ser. Há uma pergunta que circunda toda a narrativa: se pudesse, o que você preservaria intacto, e não perderia da memória?

Ogawa traz com maestria uma obra rompe barreiras e obrigatória, ainda mais em tempos sombrios e incertos. Nos deixa a sensação de que somos roubados diariamente e não nos damos conta disto. São pequenos furtos, aqui é acolá, que vão destruindo nossas histórias, patrimônios e essência como ser humano. Vivemos um processo de desintegração. Excelente narrativa e leitura obrigatória.

Sobre o Autor

Sua vocação foi despertada precocemente por clássicos infantis, graças a um sistema de assinatura de livros de que a família dispunha. Gosta de citar O diário de Anne Frank como uma referência decisiva para perceber a escrita como via possível e necessária de autoexpressão. Estudou escrita criativa e publicou diversos livros, entre ficção e não ficção. A autora vive atualmente em Ashiya, província de Hyogo ― nas proximidades de Kyoto. Arrebatou todos os prêmios referenciais do meio literário japonês.

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