domingo, 26 de março de 2023

Bilionários Nazistas - David de Jong


Um livro inquietante que reconstitui os mecanismos de violência e corrupção que estão na origem da riqueza de várias das dinastias empresariais mais poderosas do mundo. Bilionários nazistas é uma prova de que o resgate da memória histórica sobre esse sinistro período continua relevante e necessário.

A história do nazismo na Alemanha é inseparável das biografias dos industriais e financistas que ajudaram Adolf Hitler a conquistar o poder absoluto e lucraram milhões com as atrocidades do Terceiro Reich – são nomes como os Von Finck, Porsche, Oetker e Quandt. Aduladores e inescrupulosos, eles ampliaram seus impérios através do roubo de propriedades judaicas e da exploração do trabalho forçado de vítimas da barbárie nazista, além da fabricação de armas e munições. 

A brandura do julgamento de seus crimes no pós-guerra possibilitou a continuidade de suas dinastias empresariais, cujos herdeiros acumulam fortunas e administram marcas mundialmente famosas até hoje, como Volkswagen, Dr. Oetker, BMW e Allianz. E por que, depois de tantas décadas, eles ainda estão fazendo tão pouco para reconhecer os crimes de seus antepassados?

Debruçado sobre milhares de documentos e fontes originais, além de abrangentes pesquisas historiográficas, o jornalista e historiador David de Jong – holandês de origem judaica – disseca as origens obscuras das fortunas multiplicadas a ferro e fogo entre 1933 e 1945. Neste livro, seu trabalho de estreia, o autor faz um chamado ao resgate da memória do genocídio nazista, tarefa primordial em tempos de ressurgência do extremismo antidemocrático.

Opinião

A Segunda Guerra Mundial é, provavelmente, o evento histórico sobre o qual mais se escreveu em todos os tempos. Existem inúmeros relatos das sangrentas batalhas pela Europa, assim como há documentos sobre as atrocidades contra os judeus e as festas pela vitória dos aliados. Há um tema, porém, que sempre permaneceu nas sombras, seja pela dificuldade em obter fontes confiáveis ou pelo receio de envolver conglomerados poderosíssimos. Estamos falando do financiamento privado do nazismo, injeção de dinheiro que tornou mais eficaz a máquina de propaganda de Joseph Goebbels, levando Adolf Hitler ao poder – e o mantendo por lá firme e forte, mesmo após a escalada extremista do regime. Em Bilionários Nazistas, livro corajoso e historicamente bem fundamentado, o repórter investigativo holandês David de Jong revela como as dinastias mais ricas da Alemanha acumularam fortunas e poderes incalculáveis graças ao apoio ao Terceiro Reich.

A estratégia era clara: os empresários expropriavam companhias judaicas concorrentes e eram beneficiados com o uso de trabalhadores escravos vindos de países como Ucrânia e Polônia. Em troca, investiam em áreas que abasteciam a guerra, como a indústria automobilística, do aço e do setor químico. De Jong expõe ainda como a conivência dos EUA permitiu que esses bilionários escapassem de seus crimes praticamente sem punição, mantendo-se relevantes até hoje na economia mundial.


A cena de abertura é antológica. Três semanas após Hitler chegar ao cargo de chanceler, doze magnatas alemães são convocados para uma reunião na casa de Hermann Göring, então presidente do Reichtag. Entre os presentes estavam Günther Quandt, produtor têxtil convertido em proprietário de fábricas de armas, o milionário do aço Friedrich Flick e o barão August von Finck, do setor financeiro, entre outros. Em seu discurso, Hitler argumentou que, ao bancar sua ascensão, estariam “apoiando a si próprios, suas empresas e suas fortunas”. Ao final da apresentação, o líder alemão deixou a sala e Göring confessou o motivo do encontro: o partido nazista estava quebrado e precisava de dinheiro. “Essa eleição será a última dos próximos dez anos, talvez até dos próximos cem”, afirmou. Todos entenderam o recado. No dia seguinte, 21 de fevereiro de 1933, Joseph Goebbels, cérebro da propaganda nazista, anotou em seu diário: “Göring traz a alegre notícia de que temos três milhões em caixa. Ótimo! O trabalho será divertido, o dinheiro está lá”.

É bom ressaltar que, apesar de alguns desses homens serem nazistas de carteirinha, a maioria deles eram empreendedores oportunistas que se tornaram membros do partido por acreditar que seria um bom negócio. A obra também aborda o processo de “desnazificação” de nomes considerados estratégicos pelo governo de Harry Truman, dos EUA. Quando a Guerra Fria começou, em 1947, a prioridade deixou ser a punição dos alemães e passou a ser a promoção da recuperação econômica do país. Os apoiadores mais radicais do nazismo enfrentaram duras condenações em tribunais como o de Nuremberg, mas outros foram beneficiados para ajudar a conter a expansão da influência da União Soviética. Veio então o plano Marshall, do secretário de Estado George C. Marshall, que ajudou a Alemanha com quinze bilhões de dólares. O país logo voltou a ser uma potência e muitas das empresas que apoiaram Hitler foram perdoadas definitivamente.

Fonte: Istoé.

domingo, 19 de março de 2023

Upstate - James Wood


Alan Querry, um investidor imobiliário bem-sucedido do norte da Inglaterra, tem duas filhas: Vanessa, uma filósofa que vive e leciona em Saratoga Springs, NY, e Helen, executiva de uma gravadora com sede em Londres. As irmãs nunca se recuperaram do divórcio amargo dos pais e da morte precoce da mãe – particularmente com Vanessa, que desde a adolescência era atormentada por crises de depressão. 

Quando sofre uma nova crise, Alan e Helen viajam para Saratoga Springs. Ao longo de seis dias de inverno no norte de Nova York, a família Querry começa a enfrentar os problemas que impulsionam este romance profundo e penetrante. Por que algumas pessoas consideram a vida muito mais difícil do que outras? A felicidade é uma habilidade que pode ser desenvolvida, ou é um feliz acaso do nascimento? A reflexão é útil à felicidade, ou dificulta a sua conquista? Se, como diz o filósofo favorito de Vanessa, "o único empreendimento sério é viver", como devemos viver? Com uma visão humana rica e sutil, repleto de retratos pungentes e muitas vezes engraçados, vívido e com um senso de lugar, Upstate é um romance perspicaz e intensamente comovente.

domingo, 12 de março de 2023

Livre - Virando adulta no fim da história - Lea Ypi


Este livro foi escrito ao longo do período de isolamento provocado pela pandemia de Covid-19. A experiência, ainda que em circunstâncias distintas, remeteu a autora ao lockdown vivido na Albânia, em 1997, em decorrência da guerra civil que sobreveio ao fim do regime socialista. 

Foi assim que nasceu Livre, misto de livro de memórias e teoria política que causou furor ao ser lançado no mundo de língua inglesa em 2021. Nascida na Albânia em 1979, Lea Ypi fala de seus anos de formação num país isolado pelo totalitarismo. Com humor e leveza, Ypi relembra a infância sob o regime socialista, a adoração aos líderes Enver Hoxha e Ióssif Stálin e a presença constante do Partido em todos os aspectos da vida. 

A consciência acerca do regime autoritário em que vivia se dá em paralelo ao processo de abertura política do país, que acaba resultando em uma guerra civil. O que torna a narrativa profundamente envolvente, além do amadurecimento político da pequena Lea, é a descoberta de como os pais e a adorada avó encobriam a realidade para protegê-la. 

Professora de teoria política e especialista em Marx, Lea Ypi apresenta o socialismo a seus alunos como uma teoria da liberdade humana. Enquanto seus pais acreditavam que o liberalismo traria liberdade, a autora não alimentava essa ilusão. Vem daí a singularidade deste livro: ao contrário do que desejariam alguns, a tomada de consciência da autora em relação aos descalabros do regime comunista não se traduz em aceitação ingênua das iniquidades do mundo.

"Eles (pais) também viam a liberdade como algo que se descobre no processo de entender as mentiras que cercam você. É algo que não pode vir de uma palestestra ou de um ensinamento. Ninguém pode tornar você livre.

Há um dimensão moral da liberdade que não poder ser reduzida a um arranjo institucional ou capturado por nenhum sistema político particular"  - Palavras de Lea Ypi. 

domingo, 5 de março de 2023

Emma - Jane Austen


Uma jovem bonita, rica e inteligente – sua vida seria livre de problemas, não fossem os que ela mesma cria.

Emma Woodhouse não pretende se casar jamais, mas isso não a impede de interferir na vida amorosa dos que estão ao seu redor. Ela se considera altruísta por ajudar os amigos a conseguir bons casamentos – afinal, a sociedade inglesa do século XIX se sustenta sobre bailes, passeios de carruagem e matrimônio. Mas, apesar das boas intenções da protagonista, há quem desconfie de seus talentos como casamenteira.

Neste romance, Jane Austen mira seu olhar afiado sobre os costumes ingleses para tecer uma história de desencontros amorosos e crítica social. Emma, sua protagonista, tem a profundidade de uma pessoa real, um retrato de sua época e lugar, com nuances e um amadurecimento que, independente de como julgamos seus atos, cativam o leitor da primeira à última página.

A edição da Antofágica é ilustrada por Brunna Mancuso e conta com apresentação da atriz e cantora Sophia Abrahão. Doutora em Estudos Literários (USP), Renata Colasante nos fornece um panorama da vida e da obra de Jane Austen, e Marcela Soalheiro Cruz, doutora em Comunicação Social (PUC-Rio), esmiúça as influências da autora na cultura pop. Lorena Portela, escritora, expõe os pontos de contato entre Emma e personagens contemporâneas – da tevê à vida real.