domingo, 27 de setembro de 2020

Blogueira de 90 anos ensina idosos a escrever sua história


“Na minha idade, o importante é compartilhar o que sei”, resume Neuza Guerreiro de Carvalho. Conhecida como vovó Neuza, em 2004 criou o curso “Resgate de memória autobiográfica”, na USP Aberta à Terceira Idade. A cada semestre, oito ou nove alunos aprendiam a contar sua trajetória. Por alto, calcula que mais de 150 idosos passaram por esses “bancos escolares”. “É muito bom para a autoestima deles, que se tornam protagonistas da própria história. Certa vez uma aluna me disse: ‘antes eu era sempre algo de alguém, como mãe, filha, namorada, esposa. Agora sou eu mesma’”. No começo do ano, a pandemia inviabilizou os encontros, que, depois de um período de adaptação, passaram a ser on-line. Foi quando Neuza decidiu que poderia se valer da internet para ampliar o trabalho. Enxugou o programa – “com certa dor no coração”, reconhece – que passou de 16 para oito aulas. No novo formato, a primeira turma começou no dia 1º. com 17 participantes. Entre eles, apenas um homem, ou “menino”, como a professora gosta de chamá-lo, apesar de ter 99 anos. “É a primeira vez que não sou a mais velha da classe. Ele não tem intimidade com computadores, mas já se ofereceram para digitar seus textos”, afirma.

A próxima turma começa no dia 22 de setembro e as inscrições podem ser feitas aqui. São dois módulos que cobrem cronologicamente a trajetória dos participantes. O primeiro abre como “a família que recebi”, para que resgatem a história de seus pais e avós. Em seguida vêm: infância, escolas e juventude. O segundo módulo compreende a vida afetiva, “a família que constituí”, espaços de vivência – as casas e cidades onde as pessoas moraram – e se encerra com a período atual. Ela conta com a ajuda de uma assistente e utiliza trechos de autores consagrados, como Graciliano Ramos e Gabriel García Márquez, para ilustrar como a literatura trata temas que serão abordados nos relatos. Os alunos escrevem seus textos no computador, digitalizam as fotos que consideram relevantes e o resultado pode ser impresso ou virar um pendrive de presente para a família. “Há sempre muita ansiedade para falar”, avalia Neuza, que foi professora de biologia, formada em 1951 no extinto curso de História Natural da USP. Aposentou-se em 1980 e, durante os 15 anos seguintes, dedicou-se à família, mas, em 2005, começou a fazer diversos cursos da Universidade Aberta à Terceira Idade: “foram uns 50 até 2015”, diz.

Além disso, desde 2008, mantém o blog da Vovó Neuza, que reúne mais de 600 textos. “Não sou escritora, registro fatos, que às vezes são testemunhos históricos”, relata, lembrando que, na formatura do antigo ginásio, em 1945, os estudantes cantaram o Hino Nacional em latim. Em vez de encarar a tecnologia como um bicho-papão, faz tempo que a incorporou à sua rotina. Em 1997, notou que não conseguia acompanhar a conversa dos netos (são quatro) e pediu ajuda ao filho – a filha mora no exterior – para ingressar no mundo on-line. “Aprendi pelo menos umas cem palavras novas que desconhecia”, lembra. São 180 dias de isolamento, mas com agenda cheia. Lê dois ou três livros ao mesmo tempo e aproveita para recomendar as obras de Yuval Noah Harari, autor de “Sapiens: uma breve história da humanidade”, “Homo Deus” e “21 lições para o século 21”. Dribla a surdez com próteses auditivas de última geração e alterna o trabalho no computador com atividades domésticas. Neuza completou 90 anos em 12 de abril, mas me conta que, na verdade, nasceu no dia 9: “antigamente havia multa se o registro não fosse feito no dia do nascimento, então meu pai trocou a data”. Conversar com ela é o equivalente a fazer uma pós-graduação em longevidade.

Fonte: g1.globo.com

domingo, 20 de setembro de 2020

Comentando Sobre o filme "O Dilema das Redes"

Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software. Citada no filme "O Dilema das Redes", da Netflix, a sentença do professor da Universidade de Yale Edward Tufte leva o usuário a se reconhecer como personagem, e não mero espectador, do documentário sobre os impasses de uma era de vícios tecnológicos.

Quem acompanha notícias e pesquisas recentes sobre os impasses do mundo atual —polarização, ansiedade, depressão, desconexão com a realidade, fake news— pode imaginar que se trata do remake de algum filme de suspense. O problema é que o final desta história está em aberto. E o que se anuncia não é nada promissor.

Quem diz isso não são apenas os profetas do apocalipse avessos a mudanças, mas os próprios engenheiros deste novo mundo que nos reconfigurou. Fazem parte do elenco, entre outros, Tristan Harris, ex-designer ético do Google; Tim Kendal, ex-presidente do Pinterest; Justin Rosenstein, ex-engenheiro do Facebook; Roger McNamee, investidor em tecnologia, e Jaron Lanier, cientista da computação e autor de "Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais". Eles dividem suas análises sobre a tecnologia com nomes como Arthur C. Clarke e Sófocles, de quem é a frase de abertura do documentário: "Nada grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição".

A maldição do século 21 transformou nossa atenção no objeto mais cobiçado das grandes corporações.

Somos, em outras palavras, o que foi o petróleo para o século 20 e a extração de minérios, como ferro e ouro, nos séculos passados.

A ideia básica, como mostra Tristan Harris, hoje um militante contra o vício das redes, é que se você não está pagando pelo produto, você é o produto. Criadas para facilitar conexões e aprofundar laços entre pessoas que curtiam e compartilhavam coisas em comum, essas plataformas logo descobriram a fórmula de fazer dinheiro. Para isso era preciso transformar seres sociáveis em seres manipuláveis. Aqui mora o dilema.

O filme mostra como isso já está acontecendo, mesmo para quem garante só usar as redes para fins recreativos, todos os dias, todas as horas do dia e jura nunca ter se viciado.

Dopamina e algoritmos

A premissa básica é que temos uma necessidade biológica básica de nos conectar com outras pessoas. Desde sempre. Isso afeta diretamente a liberação de dopamina como recompensa. As redes otimizam essa conexão e criam um potencial viciante. Querem que passemos cada vez mais tempo conectados e expostos a mensagens e ofertas de todo tipo. Até aí, tudo pode ser assustador, mas não exatamente uma novidade desde que levamos os aparelhos ao banheiro pela primeira vez. O problema é que, ao longo dos anos, essas grandes empresas reuniram um arsenal de informações sobre nossos comportamentos e passaram a nos conhecer melhor do que qualquer outra pessoa, inclusive nós mesmos.Isso significa não só que eles sabem como está nossos humores e nossa saúde mental em determinada fase da vida, mas o que este estado alterado nos leva a fazer.

Os sistemas são capazes de antecipar tendências. Prever comportamentos por modelos de algoritmos. E vender esta tendência para quem quer saber como nos acessar quando estivermos propensos a compulsões. Podem, com isso, moldar e mudar nossos comportamentos conforme descobrem o que nos engaja e mobiliza.

As redes sociais, como mostra um dos entrevistados, é nossa chupeta quando nos sentimos desconfortáveis, solitários, com medo. Elas atrofiam nossa habilidade de lidar com problemas reais e diversos. A questão é que estaremos sempre desconfortáveis, solitários e com medo diante de padrões de beleza e comportamento que só quem seguimos parecem alcançar. E nos deprimimos e passamos mais tempo nas redes para compensar a frustração.

Tudo já seria preocupante o suficiente se esse ciclo vicioso fosse manipulado apenas para vender batata frita ou calça jeans.

Os manipuladores das redes sabem onde estão as maiores propensões às teorias da conspiração; pior, sabem que estes espaços se tornaram terreno propício para colher engajamento, o santo graal da vida em rede.

A sofisticação das redes, mostra o psicólogo social Jonathan Haidt em certo momento do filme, está relacionada ao aumento gigantesco da depressão, da ansiedade, do suicídio e da internação por autoflagelo entre adolescentes nos EUA. Essa geração, que começou a usar redes sociais durante a pré-adolescência, está mais frágil e se arrisca menos na vida. O índice dos que já saíram em um encontro ou tiveram qualquer interação romântica tem caído rapidamente conforme cresce o uso das plataformas digitais.

A explicação é que nosso cérebro não evoluiu conforme o poder de processamento dessas máquinas desde a sua invenção. Podemos administrar amigos e amores em comunidade. Mas numa comunidade de milhares de seguidores, o bug é iminente.


Como escapar?

Desde o começo de século, a polarização política e a intransigência dentro das bolhas não têm sido

só consequência da vida em rede, mas a sua condição de existência. Se não tivermos a quem odiar, não entregaremos aos donos do negócio o engajamento que eles mais desejam. Por isso clicamos e navegamos como coelhos em busca de cenoura estrategicamente penduradas em anzóis à frente do nosso nariz.

No filme, as referências a distopias recentes, como "Matrix" e "O Show de Truman" estão ali para mostrar que este processo já está em curso e desativá-lo não vai ser nada fácil. Antes é preciso nos reconhecer dentro da matrix.

Ao fim do documentário, os entrevistados dão breves e preciosas dicas de como conseguiram, eles mesmos, diminuir os danos do uso das plataformas que ajudaram a criar. E deixam dicas preciosas, a maior delas é “não deixem seus filhos conectados por muito tempo, pois o cérebro deles ainda está em formação”.

Fonte: Uol.

Você poderá gostar de: Comentando sobre a série Chernobyl da HBO

domingo, 13 de setembro de 2020

A Vida Mentirosa do Adultos - Elena Ferrante


O livro narra o crescimento de Giovanna, uma jovem moradora de um respeitável bairro de classe média de Nápoles, no período de seus 12 a 16 anos. Ambientado na década de 1990, A vida mentirosa dos adultos se inicia com um comentário do pai de Giovanna, que compara a falta de beleza da filha com a de Vittoria, tia da menina, sua irmã. Figura lendária na família e afastada do convívio de seu núcleo por motivos incertos, Vittoria desperta a curiosidade de Giovanna, que hesita entre considerar o comentário um insulto, uma condenação ou uma profecia. Explorando as periferias de Nápoles, ela parte em busca dessa mulher misteriosa.

Leia um trecho:

“Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia. A frase foi proferida entre sussurros, no apartamento que os dois, recém-casados, haviam comprado em Rione Alto, no início da Via San Giacomo dei Capri. Tudo ― as ruas de Nápoles, a luz azul de um fevereiro muito frio, aquelas palavras ― permanece inalterado. Mas eu escapei, ainda estou escapando, através destas linhas cuja intenção é delinear a minha história, mesmo que na verdade eu não seja nada, nada que me pertença, nada que tenha começado de verdade ou sido levado a cabo: apenas um nó cego, e que ninguém, nem mesmo a pessoa que neste momento escreve, saiba dizer se esse nó contém o fio certo para guiar uma história ou se não passa de uma confusão embolada de sofrimentos, sem redenção.”

Na trama, acompanhamos Giovanna percorrer a transição crucial entre a juventude e a vida adulta, quando verdades e lições de vida são evidenciadas, algumas vezes de forma dolorosa. A vida mentirosa dos adultos é uma cativante história sobre o que ganhamos e perdemos com a passagem do tempo.