domingo, 21 de junho de 2020

Viajando pelas Séries #019 - Dark


Quatro diferentes famílias vivem em uma pequena cidade alemã. Suas vidas pacatas são completamente atormentadas quando duas crianças desaparecem misteriosamente e os segredos obscuros das suas famílias começam a ser desvendados.

Dark é uma série alemã de drama, suspense e ficção científica criada por Baran bo Odar e Jantje Friese e distribuída pela Netflix. E ganhou diversos prêmios.


Primeira e Segunda temporada para que você possa entender

E uma série sobre viagens no tempo e daí vem grande parte da complexidade da trama: o público acompanha tudo o que aconteceu na pequena cidade fictícia de Winden, na Alemanha, principalmente nos anos de 1953, 1986 e 2019 (ou seja, em pontos-chave de dois ciclos de exatamente 33 anos cada). Os acontecimentos não são mostrados de forma linear ou cronológica; e os personagens aparecem em diferentes fases da suas vidas.
As viagens no tempo são possíveis porque, em uma caverna em um bosque de Winden, existe um "buraco de minhoca" - uma característica hipotética do espaço-tempo que funcionaria como um "túnel" entre dois momentos distintos. O surgimento do buraco de minhoca está ligado de alguma forma a uma explosão que aconteceu em 1986 na usina nuclear que existe em Winden.
Acontece que, em Dark, os acontecimentos ao longo do tempo não se influenciam apenas na ordem que parece lógica. "O tempo não influencia apenas o futuro: o futuro também influência o passado. É igual à questão do ovo ou da galinha. Eles estão conectados”, afirma o personagem H.G. Tannhaus, relojoeiro de Winden e autor, na série, de um livro chamado Uma Viagem no Tempo. Nas entradas dos portais que possibilitam as viagens no tempo, está escrita, em latim, a frase "Sic mundus creatus est” (E então o mundo foi criado).
Já na primeira temporada, o público é apresentado ao personagem Noah, que tem o objetivo de criar uma máquina do tempo para estabilizar as viagens cíclicas de 33 anos e controlar o que acontece no mundo. Nos anos 1980, com a ajuda de Helge, Noah construiu uma máquina do tempo em um quarto acima da caverna onde está o buraco de minhoca, e passou a conduzir diversos testes com crianças para descobrir se a viagem controlada no tempo seria possível. O problema todas as crianças que foram submetidas aos experimentos acabaram mortas.

Em 2019, porém, um garoto chamado Mikkel Nielsen viaja no tempo sem passar pelos experimentos: ele se perde na caverna e entra sem querer no buraco de minhoca, indo parar em 1986. Mikkel vive a experiência de conhecer seus pais adolescentes, e não consegue voltar para casa e nem convencer ninguém de que veio do futuro. Ele aceita sua nova realidade, é adotado e ganha o nome de Michael e é o homem que cometeu suicídio logo antes de a primeira temporada de Dark começar.


















As relações familiares de Dark


Entender quem é quem, e quais são as relações entre os personagens, facilita a vida de quem assiste Dark. Como já falamos, o protagonista e Jonas Kahnwald: ele é filho de Michael (na verdade Mikkel Nielsen) e Hannah Kahnwald. Hannah tem um caso com Ulrich Nielsen (que é pai de Mikkel/Michael); e Jonas é apaixonado por Martha Nielsen (filha de Ulrich, irmã de Mikkel/Michael, e, consequentemente, tia de Jonas). A mãe adotiva de Michael é Ines Kahnwald; uma enfermeira que adota Mikkel quando ele fica preso em 1986. Em 1953, conhecemos também o chefe de polícia Daniel Kahnwald, que faz parte das investigações sobre a descoberta dos corpos de Erick Obendorf e Yasin Friese.
A outra família já citada, portanto, é a dos Nielsen. Ulrich (um policial que tem um caso com Hannah Kahnwald) e Katharina (diretora da escola de Winden) são pais de Martha (interesse amoroso de Jonas), Magnus (namorado de Franziska Doppler) e Mikkel. Em 1986, Ulrich perdeu um irmão, Mads Nielsen, que desapareceu em circunstâncias muito parecidas com as do desaparecimento do próprio Mikkel. A avó de Ulrich é Agnes Nielsen, mãe de Tronte Nielsen: ela chega em Winden em 1953, sozinha com o filho, e passa um tempo morando com os Tiedemann. Tronte Nielsen, pai de Ulrich, teve um caso com Claudia Tiedemann nos anos 1980.
A já citada Franziska Doppler (namorada de Magnus Nielsen) é filha de Peter (psiquiatra que atende Jonas Kahnwald quando ele entra em depressão após o suicídio do pai) e Charlotte Doppler (Charlotte é chefe de polícia em Winden e colega de trabalho de Ulrich Nielsen). Peter é filho de Helge, que hoje está internado em um asilo, e que trabalhou com Noah durante um período nos anos 1980. O pai de Helge, por sua vez, era Bernd Doppler, fundador e diretor da usina nuclear até sua substituição por Claudia Tiedemann, em 1986. Já Charlotte é neta de H.G. Tannhaus, o relojoeiro e estudioso de viagens no tempo. Peter e Charlotte tem também uma filha mais nova, Elisabeth.
O diretor da usina nuclear em 2019 é Aleksander Tiedemann: Aleksander assumiu o sobrenome de sua esposa, Regina Tiedemann (dona do hotel da cidade), que é filha de Claudia Tiedemann (que é quem dirige a usina nuclear em 1986). Regina Tiedemann, aliás, foi a última pessoa a ver Mads Nielsen com vida. Claudia, por sua vez, era filha de um policial chamado Egon Tiedemann, que esteve envolvido nas investigações a respeito do desaparecimento de Mads Nielsen em 1986. Aleksander e Regina tem um filho, Bartosz, amigo de Jonas.
Nós, o público, sabemos que o verdadeiro nome de Aleksander Tiedemann é Boris Niewald: ao chegar a Winden em 1986, ele esconde seu passaporte na floresta, assume a identidade de Aleksander Köhler, e consegue emprego na usina nuclear com Claudia Tiedemann. Hannah Kahnwald conhece a verdadeira identidade de Aleksander Tiedemann, e o chantageia por isso.


Os desaparecimentos


Além de Mikkel e Mads, outras crianças que desapareceram são citadas - como Erick Obendorf, que some antes de Mikkel; e Yasin Friese, amigo de Elisabeth Doppler. O corpo de Mads é encontrado por Ulrich Nielsen logo no início da primeira temporada de Dark, durante a busca por Mikkel e o que espanta é que Mads está com a exata aparência que teria se tivesse desaparecido na véspera, e não 33 anos antes. Já os corpos de Eric e Yasin são encontrados enterrados em uma pilha de areia em 1953, no terreno que estava em obras para a construção da usina nuclear.
















Ou seja: todas as crianças que morreram em função do experimento temporal de Noah (lembrando que Mikkel escapou da morte por ter entrado sem querer no buraco de minhoca, sem passar por nenhum tipo de teste) tiveram seus corpos enterrados em outras décadas, para não levantar suspeitas sobre a dupla de sequestradores que atuava nos anos 1980, é por isso que Mads aparece em 2019; e Erick e Yasin, em 1953. Os corpos das crianças têm algumas características em comum, como os olhos queimados e os tímpanos arrebentados.

Outras viagens no tempo


Ao longo da série, além de Mikkel, outros personagens também viajam no tempo. Um deles é Ulrich Nielsen, que descobre o que aconteceu com Mads (e suspeita que o mesmo pode ter acontecido com Mikkel) e consegue voltar para 1953 - onde tenta matar um Helge ainda criança, para evitar que ele cresça e sequestre os meninos. Helge, porém, sobrevive (é por causa do ataque de Ulrich, aliás, que o Helge adulto tem cicatrizes no rosto); e Ulrich vai parar na prisão em 1953. Ele é preso, aliás, por um jovem policial Egon Tiedemann, que, em 1986, acusaria o mesmo Ulrich Nielsen, então adolescente, de ser responsável pelo desaparecimento do irmão Mads.
O Helge de 2019, idoso, também volta ao passado, para tentar impedir o Helge jovem, de 1986, de ajudar Noah. Helge tenta matar o Helge mais jovem em um acidente de carro - mas acaba morto ele mesmo.
E, claro, há O Estranho: um homem misterioso que aparece em Winden e se hospeda no hotel de Regina Tiedemann. No final da primeira temporada, descobrimos que O Estranho é a versão adulta de Jonas que volta ao passado para deixar instruções a si mesmo a respeito do que fazer. O grande objetivo de Jonas é descobrir uma maneira de interromper a repetição de ciclos de 33 anos e modificar os acontecimentos do futuro; o que, até agora, parece impossível, visto que cada acontecimento de 2019, por exemplo, já foi estritamente definido pelo desenrolar das coisas em 1953 e 1986.
Dark brinca diversas vezes com um paradoxo famoso entre os entusiastas das viagens no tempo, o Paradoxo de Bootstrap: o Jonas de 2019 só sabe o que fazer porque o O Estranho (que é o próprio Jonas do futuro) o ensina, o que nos leva a supor que O Estranho, por sua vez, aprendeu tudo o que sabe com outro Jonas, que veio do futuro quando O Estranho se encontrava em 2019. Então de onde veio esse conhecimento, afinal? Qual é a fonte original dessas informações? Outro exemplo: em 1986, o Jonas adulto, seguindo instruções de Claudia Tiedemann, aciona a máquina do tempo porque acha que isso pode anular o buraco de minhoca dentro da caverna. Mas Noah afirma que essa ação foi justamente o que criou o buraco de minhoca.
E há mais: no final da primeira temporada, Jonas vai parar em 2052, em uma sociedade com ar pós-apocalíptico, onde a usina nuclear foi quase totalmente destruída em um acidente (é em 1952 que Jonas adquire as cicatrizes no pescoço que vemos n'O Estranho desde sua primeira aparição). Elisabeth Doppler, que é apenas uma criança em 2019, é a implacável líder da comunidade de Winden em 2052.
Outra viajante frequente do tempo é Claudia Tiedemann, a ex-diretora da usina nuclear, que, já idosa, confronta Noah na batalha pelo controle das viagens no tempo. Claudia influencia fortemente O Estranho; e os dois, juntos, são quem fornece as instruções para que H.G. Tannhaus consiga construir sua "máquina do tempo", usada diversas vezes na série. Outro Paradoxo de Bootstrap: como Jonas poderia ter voltado no tempo e ensinado alguém a criar a máquina do tempo, sem a existência prévia da tal máquina?

Mais um ciclo temporal e a identidade de Adam


Na segunda temporada, Jonas acessa mais uma data nos ciclos de 33 anos: 1921, onde conhece um Noah ainda jovem, que o recruta para finalmente conhecer o grupo de Viajantes. É em 1921 que Jonas descobre a real identidade de Adam, o verdadeiro líder dos Viajantes: Adam é o próprio Jonas; um Jonas ainda mais velho que O Estranho, com o rosto profundamente marcado por suas dezenas, talvez centenas, de viagens pelo tempo. Adam revela a Jonas que descobriu como viajar para qualquer data no tempo, independente dos ciclos de 33 anos, com a ajuda de uma massa de energia criada por ele mesmo. O desejo de Adam é que Jonas viaje até a véspera do suicídio de Michael e o impeça, porque o suicídio seria o estopim de tudo o que aconteceu depois.

Acontece que, ao retornar para 2019, Jonas descobre que é ele mesmo quem orquestra o desaparecimento de Mikkel e o suicídio do próprio pai, tornando a repetir os acontecimentos no tempo, exatamente como já se desenrolaram antes. No final da temporada, fica claro que o verdadeiro objetivo de Adam é garantir que tudo realmente aconteça como sempre aconteceu (diferente do que ele disse ao Jonas jovem): por motivos que ainda não conhecemos, ele quer se tornar exatamente quem é.

A Matéria Escura e "A Partícula de Deus"


A segunda temporada é também o momento em que Dark mergulha mais fundo em alguns conceitos físicos: a massa negra - que parece um pouco um líquido, um pouco fumaça, um pouco algo vivo, um pouco simplesmente um vazio na escuridão, descoberta por Jonas nas ruínas da usina nuclear na Winden de 2052 é explicada por Adam como sendo matéria escura, teoria que diz que boa parte do universo é formada por essa matéria, invisível por não emitir ou refletir luz.
Adam também cita o Bóson de Higgs, também conhecido como "Partícula de Deus", uma partícula subatômica responsável por conceder massa a todas as outras. Aquela massa negra, diz a série, seria resultado de uma imensa descarga de energia, como um "mini Big-Bang" ("e então o mundo foi criado"?). O próprio Adam descobriu como produzir, ele mesmo, essa massa de energia negra, e a fez interagir com a massa vista por Jonas na usina.

Noah e Claudia


Assim como Jonas, outros personagens centrais ao longo da série são Noah e Claudia. Até a aparição de Adam, acreditamos que Noah é o líder dos Viajantes - mas depois descobrimos que Noah só seguia as ordens de Adam por acreditar que o líder tinha o objetivo de evitar o Apocalipse (supostamente, um acidente nuclear ocorrido em Winden em 27 de junho de 2020, sim, exatamente a data de estreia da terceira temporada). Ao descobrir que essa não é verdadeira intenção de Adam (e que, consequentemente, a família de Noah não será salva do apocalipse), Noah tenta matá-lo e acaba morto por Agnes, outra dos Viajantes (Agnes Nielsen, a avó de Ulrich).
O interessante é que Noah se envolveu com a Elisabeth de 2052, e com ela, teve uma filha, Charlotte, que foi enviada para ser criada no passado. Sim, Charlotte Doppler, mãe da menina Elisabeth em 2019: as duas são mães e filhas uma da outra, ao mesmo tempo. Charlotte descobre que Noah é seu pai, mas ainda não sabe a verdade sobre sua mãe.
A Clauda idosa, por sua vez, viaja bastante entre as décadas, e parece agir no sentido de garantir que sua versão mais jovem desenvolva o interesse necessário para seguir seus passos: ela visita a si mesma para contar tudo o que aconteceu, e enterra o dispositivo de viagem no tempo no terreno da casa de sua versão adulta. Em 1986, Claudia (que ganha o livro Uma Viagem no Tempo de Helge Doppler) começa a entender o que aconteceu e a pesquisar sobre a Partícula de Deus, para tentar descobrir como evitar o apocalipse. Ela viaja para o futuro e aprende, por meio da internet, que, em 1986, foi considerada desaparecida. Claudia também acaba causando a morte do pai, o policial Egon Tiedemann, ao tentar evitá-la.

Os sobreviventes do apocalipse


A segunda temporada fez com que a maioria dos personagens principais fosse parar em lugares ou épocas que vão permitir que eles sobrevivam ao apocalipse previsto para o dia 27 de junho de 2020. Ulrich Nielsen e Hannah Kahnwald estão em 1953. Mikkel e Bartosz estão em 1987, e Katharina Nielsen também pode estar lá, uma vez que é vista tentando chegar ao buraco de minhoca escondido na caverna momentos antes da explosão. Magnus e Franziska foram levados pelo Jonas adulto para uma época ainda não revelada, mas já vimos o casal, agora como dois adultos, como parte do grupo de Viajantes em 1921: será que é para lá que eles foram?

[Spoiler!] [Não leia se não tiver assistido ainda]
Final da segunda temporada


No último episódio da segunda temporada de Dark, Adam chega a 2020 e mata Martha - supostamente, porque isso é necessário para que Jonas desenvolva sentimentos e objetivos que vão fazê-lo "tornar-se" Adam no futuro. Acontece que, logo em seguida, Jonas recebe a visita de outra Martha, que diz que veio não de um tempo diferente, e sim de um mundo diferente e, usando um dispositivo parecido com a máquina do tempo que já conhecemos, leva Jonas dali.


Pode essa nova Martha ter vindo de uma linha temporal diferente, ou seja, uma linha originada por um acontecimento ou uma ação de alguém que descobriu como quebrar o eterno ciclo repetitivo do tempo? Ou ela de fato veio de um outro universo? A teoria do multiverso também é forte na física, e pode ser o próximo passo de uma série que já lida com viagens no tempo e outras teorias científicas complexas.

Vídeo da terceira temporada



Obs: Só digo uma coisa os criadores arramaram todas as pontas soltas no final.


E aí, está preparado para essa série paradoxal?

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domingo, 14 de junho de 2020

Ideias para Adiar o Fim do Mundo - Ailton Krenak


Neste livro, o líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, uma "humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso avô".

Essa premissa estaria na origem do desastre socioambiental de nossa era, o chamado Antropoceno. Daí que a resistência indígena se dê pela não aceitação da ideia de que somos todos iguais. Somente o reconhecimento da diversidade e a recusa da ideia do humano como superior aos demais seres podem ressignificar nossas existências e refrear nossa marcha insensata em direção ao abismo.

"Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover. [...] Minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história."

Desde seu inesquecível discurso na Assembleia Constituinte, em 1987, quando pintou o rosto com a tinta preta do jenipapo para protestar contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas, Krenak se destaca como um dos mais originais e importantes pensadores brasileiros. Ouvi-lo é mais urgente do que nunca.
Ideias para adiar o fim do mundo é uma adaptação de duas conferências e uma entrevista realizadas em Portugal, entre 2017 e 2019.




domingo, 7 de junho de 2020

Indicaçoes de Leitura - Especial George Orwell

GEORGE ORWELL nasceu em Motihari, norte da Índia, em 1903. Filho de funcionário da administração britânica do comércio de ópio, estudou em colégios tradicionais na Inglaterra. Na década de 1920, foi agente da polícia colonial na Birmânia. Nas décadas seguintes, publicou romances, ensaios e textos jornalísticos. É considerado um dos autores mais importantes do século XX. Morreu de tuberculose em Londres, em 1950.

Publicada originalmente em 1949, a distopia futurista 1984 é um dos romances mais influentes do século XX, um inquestionável clássico moderno. Lançada poucos meses antes da morte do autor, é uma obra magistral que ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder totalitário.

Winston, herói de 1984, último romance de George Orwell, vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão, a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito, além de vazio de sentido histórico. De fato, a ideologia do Partido dominante em Oceânia não visa nada de coisa alguma para ninguém, no presente ou no futuro. O'Brien, hierarca do Partido, é quem explica a Winston que "só nos interessa o poder em si. Nem riqueza, nem luxo, nem vida longa, nem felicidade: só o poder pelo poder, poder puro".
Quando foi publicada em 1949, essa assustadora distopia datada de forma arbitrária num futuro perigosamente próximo logo experimentaria um imenso sucesso de público. Seus principais ingredientes - um homem sozinho desafiando uma tremenda ditadura; sexo furtivo e libertador; horrores letais - atraíram leitores de todas as idades, à esquerda e à direita do espectro político, com maior ou menor grau de instrução. À parte isso, a escrita translúcida de George Orwell, os personagens fortes, traçados a carvão por um vigoroso desenhista de personalidades, a trama seca e crua e o tom de sátira sombria garantiram a entrada precoce de 1984 no restrito panteão dos grandes clássicos modernos.
Algumas das ideias centrais do livro dão muito o que pensar até hoje, como a contraditória Novafala imposta pelo Partido para renomear as coisas, as instituições e o próprio mundo, manipulando ao infinito a realidade. Afinal, quem não conhece hoje em dia "ministérios da defesa" dedicados a promover ataques bélicos a outros países, da mesma forma que, no livro de Orwell, o "Ministério do Amor" é o local onde Winston será submetido às mais bárbaras torturas nas mãos de seu suposto amigo O'Brien.
Muitos leram 1984 como uma crítica devastadora aos belicosos totalitarismos nazifascistas da Europa, de cujos terríveis crimes o mundo ainda tentava se recuperar quando o livro veio a lume. Nos Estados Unidos, foi visto como uma fantasia de horror quase cômico voltada contra o comunismo da hoje extinta União Soviética, então sob o comando de Stálin e seu Partido único e inquestionável. No entanto, superando todas as conjunturas históricas - e até mesmo a data futurista do título -, a obra magistral de George Orwell ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre os excessos delirantes, mas perfeitamente possíveis, de qualquer forma de poder incontestado, seja onde for.

"O maior escritor do século XX." - Observer

"Obra-prima terminal de Orwell, 1984 é uma leitura absorvente e indispensável para a compreensão da história moderna." - Timothy Garton Ash, New York Review of Books


Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século XX, A revolução dos bichos é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos.

Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista.
De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão seria Stálin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos - expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História - mimetizam os que estavam em curso na União Soviética.
Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que causaram constrangimento na época de sua publicação levaram A revolução dos bichos a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, adepto do socialismo e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a utilização de sua fábula como panfleto.
Depois das profundas transformações políticas que mudaram a fisionomia do planeta nas últimas décadas, a pequena obra-prima de Orwell pode ser vista sem o viés ideológico reducionista. Mais de sessenta anos depois de escrita, ela mantém o viço e o brilho de uma alegoria perene sobre as fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução política. É irônico que o escritor, para fazer esse retrato cruel da humanidade, tenha recorrido aos animais como personagens. De certo modo, a inteligência política que humaniza seus bichos é a mesma que animaliza os homens.
Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e situações, A revolução dos bichos combina de maneira feliz duas ricas tradições literárias: a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante máximo.

"A melhor sátira já escrita sobre a face negra da história moderna."
Malcolm Bradbury

"Um livro para todos os tipos de leitor, seu brilho ainda intacto depois de sessenta anos."
Ruth Rendell

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