Uma mistura multimídia de vídeos caseiros, escritos em diários, desenhos, rabiscos em cadernos e gravações em áudio do cantor e compositor, o documentário de Brett Morgen é mais do que apenas um filme obrigatório para os fãs do Nirvana. É um trabalho coletivo feito em oito anos que oferece uma espiada na mente do artista, do primeiro indício criativo até o espiral descendente.
E quando o filme se aproxima do fim, com Kurt agradecendo a plateia no show da banda no MTV Unplugged, a sensação não é de apenas ter conhecido melhor o cara, mas, sim, de completo esgotamento emocional.
“Só queria dar à Frances algumas horas a mais com o pai dela”, disse Morgen (na foto abaixo, ao lado de Courtney e Frances). Ela estava na plateia, assim como a mãe de Kurt, a irmã (Kim), Krist Novoselic e Courtney Love, que recebeu profusos agradecimentos do diretor pela confiança dela. “Desafio você a encontrar outra pessoa que lhe daria as chaves do depósito”, disse. “E diga: ‘Vasculhe toda minha bagunça, faça um puta filme e vou assistir quando estiver pronto’.”
Dizer que Morgen teve acesso irrestrito aos pertences pessoais de Cobain seria insuficiente. Há gravações de uma Super 8 de Kurt criança com os cabelos loiros com corte estilo tigela, batendo em um piano de brinquedo e apagando velas de um bolo de aniversário. Há também fotos do músico como um adolescente calado, com a voz dele ao fundo descrevendo como as descobertas da maconha e do punk o ajudaram a lidar com um profundo senso de alienação.
Sempre quis ver a certidão de nascimento de Kurt? Ou ouvir uma conversa gravada entre Cobain e o vocalista do Melvins, Buzz Osborne, sobre como a cidade de Aberdeen era uma merda? Está tudo lá, de longas passagens com páginas de cadernos cheias de desenhos e com prováveis nomes de banda (The Reaganites, Hare Lips) até versões embrionárias das icônicas canções.
Declarações de integrantes da família, a ex-namorada Tracy Marander, Novoselic e Courtney ajudam a construir uma ponte entre as páginas e as parafernálias de Kurt. A ausência declarada de Dave Grohl foi explicada por Morgen na entrevista após a exibição: ele entrevistou o líder do Foo Fighters há algumas semanas, depois de o filme já estar pronto. Existe a possibilidade de ele reeditar o longa no futuro.
Esta pode ser a única observação sobre Montage of Heck, cujo título foi tirado de uma das mixtapes de Cobain (ouça abaixo) cheias de vozes, barulhos, trechos de músicas e uma demo ocasional. Morgen utiliza-se do formato – de achar uma finalidade por meio das esquisitices – para chegar ter um resultado extremamente pessoal.
Partes chave da mitologia acerca do Nirvana – como Kurt encontrando inspiração em um grafite de Kathleen Hanna ou como e quando aconteceu a entrada de Grohl na banda – são quase que deixados de lado. O número de telefone de David Geffen aparece rapidamente em uma anotação. E até mesmo o vídeo de “Smells Like Teen Spirit” é encoberto por uma versão da música interpretada por um coral de crianças.
Nirvana: os bastidores e detalhes da reunião.
Por isso, o espectador ganha uma experiência de Kurt Cobain sem filtros: todos os esboços perturbadores, poemas inacabados e listas de desejos. Ganha, também, uma visão desarticulada e desorientada da fama pelos olhos dele, com uma mistura confusa de shows, reportagens e questionários insípidos na TV.
Há também uma desconfortável e íntima abordagem da vida dele ao lado de Courtney, incluindo fotos deles se beijando (tiradas por eles mesmos) e imagens de Courtney grávida com os seios descobertos. Este é um casal perdidamente apaixonado e, de acordo com as matérias de tabloides que Morgen expõe, frequentemente drogado.
Mas é esta parte que ganha destaque, especialmente quando Frances Bean Cobain entra em cena. “Frances me disse: ‘As pessoas agem como se meu pai fosse o Papai Noel’”, disse Morgen, depois da exibição do documentário. “‘E ele não era o Papai Noel’. Acho que ela percebeu isso depois de assistir ao filme.”
Kurt era um pai atencioso, mesmo quando pressões externas o colocavam em má situações ou os problemas de saúde o deixavam inativo. O amor dele pela filha sempre foi de conhecimento público, mas vê-lo rolando pelo chão com ela, enquanto Frances se diverte, muda o foco do astro. Aquela cena não é a representação do porta-voz de uma geração. É apenas um ser humano, um marido e um pai.
Isso tudo deixa muito emocionante a exibição de Kurt se confessando por meio de violentas mensagens de voz ou as páginas do caderno dele que indicam um desespero por ajuda – um dos escritos é simplesmente a frase: “Vá se matar”, repetida diversas vezes.
O momento mais assombroso acontece quando o jornalista da Rolling Stone EUA, David Fricke, pode ser ouvido acima da trilha sonora questionando Cobain sobre “I Hate Myself and Want to Die” (“Eu me odeio e quero morrer”), de In Utero: “Você está sendo muito satírico ou atingido algo muito sombrio?”. A resposta de Kurt é uma risada arrepiante.
Os Últimos Dias de Kurt Cobain.
Qualquer um poderia ter feito um documentário sobre uma banda. A abordagem experimental, uma viagem sem estrada, feita por Morgen, entretanto, fez algo muito mais profundo: deixa o espectador sentir-se como se tivesse estudado o diário de alguém. Deixa a sensação de que Kurt ficaria feliz por isso. Esteja preparado para encontrar o cara que você admira. Mas esse encontro é tanto para o bem quanto para o mal.
Links que poderá gostar: David Garrett faz uma nova versão de 'smells like teen spirit' e outros
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ola pessoal, espero por suas opniões.
comentem!