Desde a Antiguidade, um processo civilizatório foi construído em comum
pelo trabalho, simultâneo ou sucessivo, de egípcios, sírios, fenícios,
gregos e romanos, cuja existência gravitava em torno do Mediterrâneo.
Vida econômica e social, religiões, costumes e ideias se misturavam.
Tal
unidade sobreviveu à queda de Roma no início do século V. Mesmo depois
da invasão dos germanos, essa civilização continuou culturalmente romana
e geograficamente mediterrânica. A ruptura só ocorreu no final do
século VII, com a súbita e inesperada ascensão do Islã, que a partir de
Maomé (571-632), em pouco mais de cinquenta anos, arrebatou
sucessivamente o Império Persa (637-644), a Síria (634-636), o Egito
(610-642), a África (698), a Espanha (711), a Córsega, a Sardenha e a
Calábria.
Só então deixa de existir a milenar comunidade
mediterrânica que sobrevivera ao Império Romano. O Mediterrâneo, Mare
Nostrum, que ligava a Europa Ocidental ao seu entorno, converte-se em
uma barreira que a isola. O culto do profeta toma o lugar da fé cristã. O
direito muçulmano substitui o direito romano. A língua árabe se
sobrepõe às línguas grega e latina. Duas civilizações passam a conviver,
em conflito.
A desaparição da navegação mediterrânica carrega
consigo o comércio e a indústria. As cidades, cuja atividade ela
sustentava, se despovoam e caem em ruínas. A economia urbana é
substituída por uma economia rural sem mercados. A Europa dobra-se sobre
si mesma, e o seu centro de gravidade se desloca do sul para o norte.
As tribos gaulesas e germânicas, até então confinadas à barbárie, ocupam
doravante, no Império Carolíngio, uma posição central, enquanto Roma
torna-se uma fronteira. Começa aí a Idade Média, gigantesca
transformação na civilização europeia, matriz do Ocidente moderno.
'Sem Maomé, Carlos Magno seria inconcebível' diz Henri Pirenne neste livro notável.
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