Neste post de hoje divulgarei um conto do livro Quilômetro Cinza e Outros Contos de Cabeças - Rob Camilotti.
CONTO: Quilômetro Cinza (Um caso vampiro em São Paulo) - Escrito por Rob Camilotti.
Hiroilto foi sem destino então.
Fincou a chave no carro, desobedecendo a advertência veiculada continuamente no
rádio para que ficasse em casa dada à excepcionalidade do que ocorria com o
tempo em São Paulo. - “Talvez, o clima esteja igual no mundo.” - pensou
enquanto dirigia.
“Que está acontecendo?” - a neve
caía torrencial ao longo da Bandeirantes, em flocos grossos, instalando o frio
que não era menos aterrador. Foi percebendo que, enquanto dirigia, era
literalmente o único em toda a cidade que havia tido a ideia de se atirar ao
desconhecido, mas dirigiu o carro com cuidado em todo momento. Certa hora,
Hiroilto parou ao avistar, no acostamento da marginal, um menino sozinho que
não aparentava ter mais de dez anos. Deu duas pancadinhas no vidro do carro
como quem o anunciava que podia se aproximar, só que o menino porém limitou-se
a olhar em sua direção, dando a entender que não entendia o que Hiroilto
queria. - “Ele vai morrer congelado se eu não tirá-lo de lá”. - abriu a porta
do carro e se entregou ao frio.
A pista estava escorregadia por
causa de uma crosta de neve que, com alguma rapidez, acumulava-se nas bordas,
quase que se estendendo a um rio congelado. Tinha que ser mais ligeiro no
resgate ao menino. - “Não tenha medo, garoto, deixa eu te ajudar!” -
estendeu-lhe a mão enquanto caminhava, para que viesse ao seu encontro, porém,
de novo, o menino não reagiu. Valente, no que se aproximou, Hiroilto envolveu o
menino nos seus braços e o levou com ligeireza para dentro do carro. - “Que
merda, Hiroilto!” - na pressa de socorrê-lo, Hiroilto esqueceu de fechar a
porta ao sair do carro e uma boa camada de neve encobria todo banco do
motorista. Com duas braçadas generosas, expulsou a maior parte da neve. Entrou
no carro mesmo assim e colocou o menino sentado no banco do carona, ao seu
lado.
“Ufa, que aventura hein?! Como se
chama, garoto?”
O menino respondeu:
“CD.”
“CD?” - sorriu para o menino, que
fez que sim com a cabeça. - “Prazer em conhecê-lo, CD. Vou levá-lo para casa,
certo? Onde estão seus pais?” - Hiroilto não disfarçou a afeição que já sentia
pelo menino.
CD não o respondeu. Em vez disso,
lançou-lhe um olhar opaco, fosco, inabilitado de sentir. Hiroilto presumiu
desse modo que o menino não tivesse os pais e que, justamento por isso, o
encontrara na rua.
“Pobre garoto!” - exclamou baixo.
Disse em seguida. - “Vamos ficar juntos até que a neve passe e depois te levo
para uma delegacia. Quem sabe eles não te arrumam uns pais bem legais!
Combinado assim, CD?”
CD o encarou com desinteresse.
Deu-se a entender que, para ele, tanto importava o que fariam depois. CD tinha
o rosto e as mãozinhas tão brancos que impressionavam fortemente Hiroilto, e
cada vez mais.
“Está com frio?”
“Um pouco.” - CD respondeu.
“Coitadinho! Não se preocupe porque
já estamos chegando. Vou te levar para casa.”
E Hiroilto passou-lhe as mãos nos
cabelos, confortando-o. Ao fazer isso, se impressionou mais uma vez: os cabelos
de CD estavam extremamente secos e sua pele, sem viço algum, ficava cada vez
mais branca, diferente em comparação a qualquer outra que já havia visto, como
a de um cadáver de um menino congelado. Em seguida, ao levar a mão ao nariz e
cheirá-la, quase vomitou ao sentir um cheiro terrivelmente podre em um
pouquinho de óleo que se impregnara na ponta dos dedos. Era como se houvesse
acabado de passar a mão na carniça de um animal morto. Assustado, decidiu levar
o menino direto para uma delegacia, invés de levá-lo para casa como o havia
prometido.
“Estou com fome e eu quero comer
agora.” - CD pôs as mãozinhas sobre sua barriga.
“Já estamos chegando em casa, CD.”
- Hiroilto escondeu-lhe aonde verdadeiramente estavam indo. - “Aguente só mais
um pouco, combinado?” - e foi acelerando o carro, mostrando pressa em se livrar
do menino.
“Eu disse que eu quero comer agora,
não me ouviu?”
O menino, antes indefeso, se
revelou então. Ao olhar para o lado, Hiroilto foi tomado pelo horror. Criatura
medonha, a cabeça de CD revelou-se peluda; as orelhas, os olhos, o nariz e os
dentes fininhos lembravam os de um asqueroso morcego.
“Não precisa ser do jeito mais
doloroso para você. Só quero um pouco de sangue. Vou transformá-lo.”
“Vá embora, demônio!” - Hiroilto
enfiou o pé no freio.
Com toda calma possível, CD,
pequeno conde vampiro, foi se aproximando lentamente do homem, que, já em paz e
a vontade com seu destino, sentiu cravar os dentinhos na jugular.
“Só uma dose do seu sangue.”
FIM
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O conto “Quilômetro Cinza” se soma a outras quinze
histórias que fazem parte do livro “Quilômetro Cinza e Outros Contos de
Cabeça”.