domingo, 27 de outubro de 2024
Poder e desigualdade: O retrato do Brasil no começo do século XXI - Cesar Calejon e André Roncaglia
Nesta obra, vemos de perto como as complexas interações entre os poderes midiático, político e econômico moldam nossa sociedade, em um sistema intrincado que perpetua a sobreposição do interesse das elites aos da população.
Os autores explicam como as características específicas do desenvolvimento econômico do país deram origem ao “fazendão com cassino”, uma analogia reveladora de como o modelo extrativista colonial – atualizado pelo agronegócio e pela mineração – se aliou à financeirização da economia. Assim, observamos como a desregulação de um Estado fraco permite, por séculos, condições de exploração vexatórias. O resultado disso é que, nos dias de hoje, uma pequena classe de executivos tem ganhos exorbitantes sem sofrer contraposição da opinião pública, enquanto uma enorme massa de trabalhadores se precariza, perdendo direitos trabalhistas e tendo sua vida produtiva cercada pelo desemprego, pela informalidade e pelas plataformas digitais.
Esses efeitos práticos entre a expectativa de melhora de vida e o estrangulamento do nível de consumo geram impactos políticos contraditórios, uma vez que as demandas por mudanças se voltam contra a proteção da maioria esmagadora da população vulnerável. Por um lado, a onda de frustração é combustível para o crescimento da extrema direita, aumentando a pressão política que expõe o descrédito na democracia; por outro, as soluções colocadas à mesa são fortemente influenciadas pelos lobbies dos grupos elitistas, que culpam o Estado (e o cobram) pelas supostas perdas de seu domínio econômico – deixando intocados os ciclos de ganância, crise e fraude que marcam a história do capitalismo brasileiro.
Em Poder e desigualdade estão delineados os principais pontos de nosso infortúnio. Percebemos aqui como o “elitismo histórico-cultural” influencia as decisões em diferentes áreas de nossa vida pública, seja no afunilamento das opiniões, com a adesão sem peias do jornalismo profissional aos discursos financeiros, seja na enclausura do poder público, quando os Três Poderes da República – Judiciário, Legislativo e Executivo – se encontram entrevados pelo acosso elitista, que, por sua vez, se empenha em sufocar todas as frestas de representação popular que ainda se encontram disponíveis.
domingo, 20 de outubro de 2024
A revolução ignorada: Liberação da mulher, democracia direta e pluralismo radical no Oriente Médio - David Graeber Dilar Dirik
Uma análise profunda do movimento revolucionário curdo, em especial o que ocorre na região de Rojava, no norte da Síria. O livro explora a luta dos curdos por autonomia, democracia direta e igualdade de gênero, enfatizando o papel central das mulheres nesse processo.
Os autores discutem como o movimento, inspirado pelas ideias de Abdullah Öcalan e influenciado por teorias anarquistas e feministas, implementa uma forma de governança radicalmente democrática e pluralista. Em Rojava, foram criadas estruturas autônomas baseadas na autogestão comunitária, com conselhos e assembleias que envolvem diretamente a população na tomada de decisões.
Um dos temas centrais do livro é o papel crucial das mulheres no movimento curdo, destacando como elas não apenas participam da luta armada, mas também lideram a criação de um sistema político e social que combate o patriarcado e promove a igualdade de gênero. O conceito de "jineologia" (ciência da mulher) é central nessa perspectiva, propondo um novo paradigma feminista.
A obra é uma celebração da revolução em Rojava como um modelo alternativo de sociedade, oferecendo uma alternativa às formas tradicionais de Estado-nação e capitalismo, mas que, ao mesmo tempo, tem sido amplamente ignorada pela mídia e pela política ocidental.
Depois da ascensão do Estado Islâmico, o mundo se deu conta que havia mulheres lutando no Curdistão. Muitas pessoas que desconheciam o que se passava nessa região se surpreenderam com o fato das mulheres curdas, numa sociedade vista como conservadora e dominada pelo machismo, estarem derrotando a impiedosa milícia fundamentalista. Os meios de comunicação de massa, e inclusive as revistas de moda, se esforçaram para se apropriar e instrumentalizar a luta legítima dessas mulheres como se fosse um tipo de fantasia sexy ao estilo ocidental. Centraram seus interesses em elementos frívolos e superficiais, como “os milicianos do Califado têm medo das mulheres curdas porque se uma mulher o matar não irão ao Paraíso”. Mas ignoram que há algo além da luta armada neste conflito. O que há é um projeto político de emancipação radical.
― Dilar Dirik, curda ativista e PhD na Universidade de Cambridge.
"Os revolucionários espanhóis pretendiam criar a visão de uma sociedade livre que o mundo inteiro pudesse seguir. Em vez disso, as potências mundiais declararam uma política de “não-intervenção” e mantiveram um rigoroso bloqueio sobre a república, mesmo depois de Hitler e Mussolini, signatários ostensivos do bloqueio, terem começado a fornecer tropas e armas para reforçar o lado fascista. Essa atitude teve como resultado anos de guerra civil, que acabaram na derrota da revolução e em alguns dos massacres mais brutais de um século sangrento. Eu nunca pensei que veria, durante a minha vida, a mesma situação acontecer novamente. Obviamente, nenhum acontecimento histórico se repete, de fato, duas vezes.
Há mil diferenças entre o que se passou na Espanha em 1936 e o que está se passando hoje em Rojava, as três províncias de maioria curda do norte da Síria. Mas algumas das semelhanças são tão impactantes, e tão aflitivas, que sinto que fui incumbido (já que cresci em uma família com uma visão política definida pela Revolução Espanhola) de dizer: não podemos deixar que termine da mesma maneira outra vez. Como algo semelhante pode acontecer e ser praticamente ignorado pela comunidade internacional e, inclusive, de forma ampla, pela esquerda internacional? Parece ser, sobretudo, porque o grupo revolucionário de Rojava, o Partido da União Democrática (PYD, na sigla em curdo), age em aliança com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla em curdo) turco, um movimento de guerrilha marxista que desde os anos 1970 esteve envolvido em uma longa guerra contra a Turquia.
A OTAN, os EUA e a União Europeia o classificam oficialmente como uma organização “terrorista”. Enquanto isso, são frequentemente tachados de stalinistas pela esquerda. Mas, de fato, o próprio PKK não tem mais quase nada que se pareça com o antigo partido leninista verticalizado que um dia havia sido. O PKK declarou que já não quer criar um Estado curdo. Por conta disso, inspirado em parte pela visão do ecologista social e anarquista de Murray Bookchin, adotou a perspectiva do “municipalismo libertário”, pregando entre os curdos a criação de comunidades livres e autônomas, baseadas nos princípios da democracia direta, que iriam juntas além das fronteiras nacionais – as quais, com o tempo, se espera que percam seu significado. Neste sentido, como propuseram, a luta curda poderia se tornar um modelo para um movimento mundial rumo a uma democracia genuína, uma economia cooperativa e a dissolução gradual do Estado-nação burocrático."
― David Graeber, antropólogo anarquista e professor no Colégio Goldsmith da Universidade de Londres.
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domingo, 13 de outubro de 2024
Dejesos Mortais - Chloe Gong
Todo ano, milhares de pessoas do reino de Talin se deslocam em massa para a capital, as cidades gêmeas de San-Er, onde o palácio organiza um jogo. Feito para aqueles que têm confiança o suficiente em suas habilidades de saltar entre corpos, os competidores em San-Er lutam até a morte para ganhar riquezas inimagináveis.
Uma estreia na fantasia adulta inspirada na peça “Antônio e Cleópatra” de Shakespeare, com disputas por poder, sangue derramado e romance, em meio a jogos mortais.
A princesa Calla Tuoleimi aguarda, escondida. Cinco anos atrás, um massacre matou seus pais e deixou o palácio de Er vazio… E a assassina foi ela mesma. Antes que as forças do Rei Kasa em San possam capturá-la, ela planeja terminar o que começou e derrubar a monarquia. Seu tio recluso sempre recebe o vencedor dos jogos para um aperto de mãos; então, se ela vencer, terá enfim a oportunidade de matá-lo.
Anton Makusa é um aristocrata exilado. Seu amor de infância está em coma desde que ambos foram expulsos do palácio, e ele está mergulhado em dívidas na tentativa de mantê-la viva. Felizmente, ele é um dos melhores saltadores do reino, flutuando à vontade de corpo em corpo. Sua última chance de salvá-la é entrar nos jogos e vencer.
Calla então se encontra em uma aliança inesperada com Anton, e recebe ajuda do filho adotivo do Rei Kasa, August, que quer corrigir as aflições de Talin. Mas os três têm objetivos muito diferentes, mesmo quando a parceria de Calla e Anton se transforma em algo que consome tudo. Antes que os jogos terminem, Calla precisa decidir pelo que está lutando: seu amante ou seu reino.
“É um épico surpreendente e subversivo, tão afiado e honesto quanto imprevisível. O estilo assertivo de Chloe Gong é cheio de uma prosa cortante como uma lâmina, e seus personagens complexos vão ferir você, mas da forma mais empolgante possível. Que época mais maravilhosa para os amantes de livros.”
Wesley Chu, autor da “The War Arts Saga”, best-seller do “New York Times”
domingo, 6 de outubro de 2024
O pobre de direita: A vingança dos bastardos - Jessé Souza
Jessé Souza ganha cada vez mais destaque na opinião pública, não apenas tece teorias sociais inovadoras como também investe em explicações para questões urgentes que são espelho da situação sociopolítica do Brasil.
É isso o que vemos neste O pobre de direita , um livro que põe no alvo um dos debates atuais mais acalorados. Afinal, o aumento do apoio popular à extrema direita é um fenômeno recente que, a partir de 2018, mudou completamente o panorama das corridas eleitorais no Brasil. No entanto, como explicar essa adesão repentina? Por que boa parcela das classes empobrecidas aderiu às pautas da extrema direita justamente no momento histórico em que houve uma melhora significativa das condições de vida? O que justifica o apoio dos mais pobres a políticos que retiram direitos e benefícios?
Para responder a essas questões, Jessé Souza se concentra em dois grupos – o branco pobre e o negro evangélico – como modelos desse engajamento. Ao ouvir diretamente as reclamações das pessoas de tais grupos, o sociólogo nos faz perceber, por exemplo, como as demandas racistas da maioria populacional branca da região Sul e do estado de São Paulo passam também a ser defendidas pela população racializada, que, muitas vezes, sofre forte influência dos segmentos evangélicos que apostam na dominação política. Por esse caminho, Jessé Souza propõe uma interpretação inédita e mais profunda do Brasil, na qual o novo arranjo conservador, que alimenta a extrema direita, se revela além das demandas econômicas ou da pauta dos costumes.
É por dentro dessa colcha de identificações, estratificações sociais, fervor religioso, diferenças regionais e imaginação política que o autor reflete sobre as principais causas da “vingança dos bastardos”. Assim, torna-se possível examinar, de fato, como pensam esses grupos sociais ressentidos que passaram a se organizar nas sombras da principal promessa da Constituição Cidadã – a construção de um Brasil democrático, justo e igualitário, sem discriminações e com garantias universais.
Sinopse:
"O problema sobre o qual este livro se debruça se resume nesta pergunta: por que uma parcela significativa dos pobres — conhecidos hoje como os 'pobres de direita' —, os quais teriam muito a perder com Bolsonaro, representante das piores elites nacionais, votaram nele duas vezes de forma maciça? [...] Isso implica que as pessoas pobres votaram em Bolsonaro por causas morais, e não econômicas.
E essas causas morais não são as que imaginamos que sejam, como o conservadorismo moral e a pauta de costumes. Ao contrário: o apego à pauta de costumes e ao moralismo convencional são decorrentes de outras feridas morais mais importantes, como a experiência da humilhação cotidiana — a qual não é compreendida em seus efeitos reais. Quais são essas causas morais? Por que elas ganharam os corações e mentes de tantos oprimidos? Essas são as questões mais importantes para entendermos o Brasil atual."
Você pode gostar de: A guerra contra o Brasil brasil - Jessé Souza.
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